SÍNDROMA DO CÓLON IRRITÁVEL
Algures, perdido na bruma dos tempos, cerca de
O nosso aparelho digestivo não tem a capacidade de digerir os grãos crus, tal como o fazem os herbívoros, e o facto de ser capaz de os processar não significa que eles sejam um alimento ideal para consumo humano. Este é o caso com a maioria dos grãos: embora a maioria de nós os toleremos, há uma minoria significativa que fica com a sua saúde em risco pelo facto de consumir grãos na sua dieta. E até aqueles que aparentemente toleram os grãos, podem não passar incólumes. Ou seja, embora o consumo de grãos não nos cause doença grave, não significa que não possa existir intolerância com sintomas subclínicos, que pode afectar toda uma vida. A nossa alimentação “moderna” com as mudanças introduzidas pelo advento da agricultura, colocou o nosso sistema digestivo sob stress contínuo resultando uma fragilidade evidente ao nível intestinal, que se traduz quer por problemas inflamatórios intestinais quer por doença auto-imune como a artrite reumatóide ou a esclerose múltipla. Nem todos os humanos desenvolvem a bem documentada intolerância ao glúten, mas ela ocorre frequentemente. A pesquisa médica tem demonstrado que existe vários graus de intolerância ao trigo em vários segmentos da população.
O nosso corpo tem duas superfícies externas a defendê-lo:
· Pele, todos reconhecem a sua acção protectora.
· Revestimento do tubo digestivo, o que muito poucos associam e reconhecem como externo ao nosso corpo.
Dependemos do revestimento intestinal para nos defenderemos da ingestão involuntária de cerca de quatro quilogramas anuais de matéria fecal, de toxinas, de protozoários, e outros parasitas. Chegados a este ponto, soa-nos bem o facto de o que está nos intestinos ser considerado exterior ao corpo. Para levar a bom porto o trabalho de barreira altamente selectiva, a “pele” do revestimento intestinal construiu juntas especiais ¾ chamadas “tight junctions” (traduzido à letra seria juntas apertadas) ¾ entre cada célula, que servem para prevenir a passagem de material entre estas células e o interior do organismo. Normalmente, nada excepto água, iões e os já referidos constituintes mais pequenos dos alimentos passa através ou entre estas células. Este sistema de junções impede quaisquer macromoléculas de penetrar no sangue, encaminhando-as para as fezes. Tudo corre bem enquanto esta selagem entre os enterócitos estiver íntegra. Quanto algumas das ligações cede, há passagem de macromoléculas para o sangue, e inicia-se uma data de problemas de difícil resolução.
Vejamos como é que o intestino lida com o material estranho, nomeadamente com os microrganismos. Como é que são detidos? E por quem? Pelo sempre vigilante sistema de defesa imune do aparelho digestivo. Para que os microrganismos nos façam mal, têm de ligar-se à parede intestinal, e quebrar a barreira do revestimento. No estômago a camada mucosa que protege dos ácidos impede os microrganismos de aderirem à mucosa. Mas no intestino o organismo adoptou uma solução diferente:
· As junções impedem a passagem dos micróbios.
· As contracções que esvaziam o intestino propelem também os microrganismos, impedindo-os de aderir à mucosa.
· Descamação contínua das células, e consequentemente dos micróbios que a elas possam estar ligados.
Este processo de descamação e renovação permanentes substituem o revestimento intestinal a cada cinco dias.
Se mesmo assim um micróbio conseguir vencer estas barreiras, o jogo não acaba aqui pois entra em acção o processo de imunidade que engloba os macrofagos (tipo de glóbulo branco generalista) que aprisionam os estranhos e os apresentam aos linfócitos (glóbulos brancos especializados) com consequente produção de anticorpos que atacam e destruem os invasores. Mais, estes linfócitos possuem memória pelo que qualquer futuro ataque semelhante é imediatamente identificado e abortado. Quando tudo corre bem esta linha de defesa nem sequer envolve as células mais próximas, pelo que nem notamos a ocorrência Os peritos estimam que 2/3 de toda a actividade imune ocorre no intestino.
A superfície da nossa pele é formada por células, chamadas células epiteliais, que aderem fortemente umas às outras, actuando como uma barricada que impede a entrada de agentes externos. Estas células servem de primeira linha de defesa contra tóxicos e microrganismos. De forma similar, os enterócitos (células especializadas que forram o trato gastrointestinal) providenciam o mesmo tipo de protecção. Em cada parte deste túnel estas células modificam-se de modo a cumprir a protecção de cada segmento segundo o tipo de ambiente a que está exposto. Por exemplo, na boca as células que forram a mucosa oral adaptaram-se a reconhecer a temperatura e a consistência dos alimentos. No estômago, têm de ser capazes de suportar a acidez dos sucos gástricos que transformam os alimentos numa pasta mais ou menos homogénea. Nem o revestimento do estômago nem o da boca suportariam esta acidez, o que é garantido pela integridade do esfíncter gastro-esofágico. Quando este falha aparece o refluxo gástrico e a pirose (sensação de queimor retro esternal). A partir do estômago o revestimento muda radicalmente, pois nos próximos seis metros o intestino delgado tem a seu cargo a finalização da digestão e a absorção, pelo que os alimentos terão de ser finalmente reduzidos às suas formas mais unitárias (aminoácidos; ácidos gordos e monossacáridos) para poderem ser absorvidos ¾ relembrar que tecnicamente os alimentos, os microrganismos e a “sujidade” estão ainda no exterior do corpo. O revestimento ao longo destes seis metros, torna-se rugoso de forma a permitir aumentar a superfície de absorção. Se estendêssemos esta superfície, ela cobriria a área de dois campos de ténis ¾ o que é absolutamente fascinante. Este revestimento em “escova” permite apenas a passagem dos nutrientes na sua forma mais simples, impedindo tudo o resto de passar para o sangue.
Assim, uma vez feita esta descoberta crucial, rapidamente incluiriam os grãos na sua alimentação e daí até ao seu uso por cultivo, é a nossa história.